
onda de violência em Salvador
Segundo especialistas, o extermínio da população negra, ainda mantém relações estreitas com conceitos como “limpeza étnica” e “ tendência à criminalidade”
Jaqueline Barreto
Magia. Luzes e cores que se alternam. Acrobacias e muitas surpresas são ingredientes indispensáveis ao universo circense. O colorido do circo e seu mundo de fantasias e ilusões, na noite de 22 de janeiro de 2008, chegaram ao fim para Ricardo Matos dos Santos (foto). Garoto de 21 anos, que desde 1997 integrava a equipe do Circo Picolino, e na época havia sido encaminhado para o Le Cirque,Companhia nacional, foi assassinado com oito tiros, quando jogava futebol com amigos na comunidade do Bate Facho( Boca do Rio).
Esse é apenas mais um caso da violência policial na capital baiana. De acordo com o Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, em 2004, das 706 vítimas de homicídios em Salvador, com idade entre 15 e 29 anos, 699 eram negros e 7 brancos. Ou seja, um jovem negro tem 30 vezes mais chances de ser o próximo nome na lista das vítimas que um jovem branco.
O perfil das vítimas então se torna claro: Jovem, negro, morador da periferia, com baixo grau de escolaridade. Infelizmente, esse cenário, não se restringe à realidade soteropolitana. Segundo dados da (Organização dos Estados ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) no Brasil, a taxa de homicídios de negros é 74% superior a de brancos. “O jovem negro é considerado de antemão como um perigoso em potencial”, destaca Márcia Canário, assessora internacional da SEPPIR (Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial).
O quadro desenhado pela violência policial contemporânea lembra estudos realizados por médicos criminalistas durante o Séc. XIX, como o italiano Césare Lombroso e o maranhense Nina Rodrigues. Lombroso, em seu livro “O homem delinqüente”, partiu do postulado de que a partir da análise de algumas características físicas poderia se constatar a propensão da pessoa à criminalidade. Presença de tatuagens no corpo, dimensões do crânio, mandíbula e assimetrias na face eram alguns exemplos de evidências de um possível criminoso.
Nina Rodrigues, da Faculdade de Medicina de Salvador e seguidor das idéias de Lombroso, em seu livro “As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal”, destacou a necessidade de se ter códigos penais distintos para os grupos étnicos. Para ele, os negros deveriam obedecer a um código penal diferente dos brancos.
E, nesse contexto de “laboratório Racial”, o racismo encontrou força no carimbo da ciência. Os homens negros foram apontados como elementos de alta probabilidade ao crime. Segundo a Secretária Marília Muricy, no Brasil, de 86% dos presidiários, aproximadamente 70% são negros. Esse dado para ela, diferente dos cientistas da época, revela a exclusão social marcada pelo recorte racial.
Muricy destaca que a repressão penal associada a uma desigualdade é extremamente seletiva e alcança em seu preferencial os afro-descendentes. “Será que nós temos que conceber a questão da segurança pública apenas pelo viés de um maior policiamento e um aumento no número de carceragens? Ou nós temos que pensar sob a perspectiva da cidadania. Sob a perspectiva de políticas públicas que beneficiem as regiões periféricas?”, questiona.
De acordo com Maria Aparecida Silva Bento, diretora do Centro de Estudos de Relações de Trabalho (CEERT) São Paulo e co-autora do livro Psicologia Social do Racismo, a auto-estima é um fator fundamental que deve ser pensado neste contexto de violência. O processo de aceitação da identidade está relacionado a uma construção histórica. “Porque este corpo negro me faz sofrer tanto? Aí, ou eu brigo com o meu corpo, com o meu cabelo, com a minha condição de ser negro, ou eu brigo com a sociedade. Desrespeito às leis, pois é essa sociedade que me marginaliza”, pontua.
Segundo Aparecida, qualquer projeto que vise amenizar as desigualdades sociais, não deve se restringir à camada excluída, atingindo também as classes média e alta da sociedade. “Quando se tem uma elite que não se vê parte de uma comunidade, essa elite também deve ser introduzida ao projeto. Nós temos uma relação que se dá entre brancos e negros e que deve ser compreendida entre ambos. A elite precisa aprender o significado de ser branco”, enfatiza.
Em “O Espetáculo das Raças”, Lilia Mortitz Schwarcz, ressalta o papel desempenhado pelas teorias raciais durante o Séc. XIX. Análises científicas serviram como justificativas para o racismo da época. A autora destaca, por exemplo, a dimensão da teoria formulada por Charles Darwin em “A origem das Espécies” nas áreas das Ciências Sociais. Conceitos como “seleção do mais forte”, “competição”, “evolução” e “hereditariedade” tornaram-se corriqueiros para “aqueles homens da Ciência”.
O racismo com o batismo da ciência não parou por aí. Em 1883, o cientista britânico Francis Galton, deu origem ao termo “eugenia” ( Eu: boa;genus:geração). Ou seja, a “boa geração” deveria ser composta apenas pelos indivíduos considerados como “puros” assim, quem não se enquadrasse nos padrões estéticos “europeus”, deveria ser eliminado do contexto social.
Para o Deputado Federal Luiz Alberto, a sociedade atual ainda sofre resquícios dessas ideologias. “A mão-de-obra que há 350 anos ajudou a construir esse país é o principal alvo desse extermínio. Nós somos as vítimas preferenciais da violência urbana”, frisa, destacando que “quando um cidadão não tem acesso à educação, à saúde, isso acaba desagregando o tecido social e uma parcela da população acaba achando que essa população deve ser eliminada”.
O Secretário de Segurança Pública do Estado da Bahia, César Nunes, salienta que cabe aos poderes públicos averiguarem as causas dessa violência urbana. “Segurança pública não é polícia. Temos vistos graves violações aos direitos humanos em nosso estado. Temos que entender que repressão não traz segurança. Apenas a educação pode amenizar essa situação”. Concluiu durante o Seminário Segurança Pública e Responsabilidade de Todos Nós, promovido pela SEPROMI, no Centro de Convenções, Salvador.